A Alma do Silêncio


As pessoas que conheci disseram-me
que o silencio é temido e evitado
a todo o custo em qualquer corte que se preze.

Todos os cavaleiros que erguiam as suas espadas
em defesa do reino sabiam que não se podia deixar navegar
o silêncio. Era no silêncio que viviam todos os enganos.
Era no silêncio que habitava o estranho conhecimento.
Aquele vago saber que ninguém deveria tocar.
O som da musicalidade secreta. O violino sempre ausente
na orquestra da corte. Todas as damas que se prezavam
sabiam e tomavam por certo
que o silêncio não era para ser mencionado
no chá da rainha. 

Cada camponês honesto e ignorante sabia, mesmo
sem saber contar ou ler, que o silêncio era o o inimigo
de todos os bons homens, daqueles que nascem e morrem
sem qualquer momento para assinalar.

O Rei sempre afirmou que o
silêncio era morada de vícios e terríveis pecados.

Só o menino da estrebaria não se lembrava desse
ensinamento essencial à sobrevivência.
Umas vezes conversava com os cavalos.
Outras sentava-se a ouvir o silêncio.
A senti-lo.
A prová-lo.
A ergue-lo nas mãos sujas.

Sempre que alguém entrava de rompante
o menino escondia as mãos atrás das costas e sorria
um sorriso pleno de silêncio.
Mas as pessoas do reino não sabiam o silêncio
e olhavam-no desconfiadas, de sobrolho carregado.
Comentavam algo que não rompia a parede de silêncio
do menino e partiam com as mãos torcidas e esgares
de uma qualquer palavra nas faces.

Depois...depois era sempre o saboroso silêncio.

(o erróneo, o quebrado, o amargo, o sentido silêncio...)

O menino escorria o silêncio nos seus cavalos
favoritos e via os seus olhos grandes mudarem de cor
para aquele violeta-sagrado-silêncio.

O menino brincava de mago e sorria
de mãos dadas com o silêncio,
os dois tropeçavam um no outro
em rodas de cha-la-la.

Mas há sempre uma palavra.
Há sempre o fim.
Há sempre o homem que denuncia.

E o menino foi levado à presença
dos olhos inquisidores do Rei.
Afinal ele devia saber que o silêncio é
o arauto da desgraça.
Ele é o infiel, o adúltero, o para sempre amaldiçoado.

O menino ouviu cada acusação com os seus olhos
violeta-sagrado-silêncio
e no final abriu as mãos sujas
e delas voaram duas borboletas.
O Rei ergueu-se e com voz alterada condenou-o
à Morte.

Ninguém na sua presença ia libertar borboletas
impunemente.

Acenderam-se as fogueiras...
Aguardou-se o grito.
Mas o menino, eterno amado do silêncio
apenas sorriu.

O corpo tombou nas cinzas
e dos olhos violeta-sagrado-silêncio
nasceram duas lágrimas, dois pássaros libertos
no céu azul-tristeza.

Nesse dia decretou-se que o silêncio também
tinha uma alma
e que essa alma chorava de dor pelo menino
de olhos violeta.

MalDragon
(Já devem ter repararado que mantenho este blog o mais impessoal possível, mas a pedido de várias pessoas passarei a adicionar em cada entrada a música que estou a ouvir ou que ouvi enquanto escrevi o poema. Um pouco mais pessoal, não acham?)

♫ - Athlete - Wires

Comentários

r1ck disse…
Apreciei bastante, é diferente... ;)

pena nao te ter visto este fds!
Cats disse…
Ahhh estava com medo que nao publicasses outra vez!

ADOREI!!
Caleb disse…
não tenho palavras.


*
Caleb disse…
omg,isto é demasiado bom... estas a gozar?! ÉPICO!
Nana disse…
Olá linda...
as always, adorei o teu poema... e a musica é excelente ;D
beijinhos**
Ana disse…
Este poema é defenitivamente alguma coisa... gostei muito, continua assim!

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